Sabe aquele momento em que você consegue se entregar completamente à experiência do presente?
Ideal para se conectar, para introspecção, para simplesmente parar e se permitir sentir cada etapa do processo. Um ritual que nos conecta com todo o nosso lado sensorial. Observando atentamente a Cerimônia do Chá, o indivíduo tem a oportunidade de deleitar-se com os cinco sentidos, através da visão, apreciando-a, da audição, pelos sons da água e do bater o chá, do olfato, sentindo seu aroma, do tato, segurando e apreciando a tigela ou taça de chá, e, do paladar, saboreando os doces e o próprio chá.
Mas, o que é a Cerimônia do Chá?
A Cerimônia do Chá trata-se pura e simplesmente de uma reunião, com a finalidade de saborear o matcha (chá verde em pó) dentro de um ritual característico. Ainda que seja entre amigos, ela deve ser praticada como se fosse a primeira e única vez. O ichigo-ichie, representa a valorização do que estamos vivendo agora e que não se repetirá nunca mais. Vivenciá-lo é também renovar a consciência em relação a como sentimos o mundo.
A cerimônia exige que seus participantes se desliguem dos assuntos mundanos, em busca do equilíbrio e da purificação da alma. Ela possui quatro princípios fundamentais: harmonia, respeito, pureza e tranquilidade.
Popularmente chamada de Chanoyu (Cerimônia do Chá) ou Chadō (Caminho do Chá), a tradição remonta a um antigo ritual zen budista difundido no Japão por Myoan Eisai, um monge que trouxe o matcha (chá verde em pó) da China, no século XII.
A Cerimônia do Chá começou a ganhar força anos mais tarde, no século XIII, com a adesão dos famosos samurais ao matcha. A erva então, passou a ser cultivada em todo país e a cerimônia, que sofreu algumas mudanças no caminho, foi se popularizando cada vez mais até alcançar todas as esferas sociais, incluindo as mais pobres, mas foi oficialmente criada pelo monge Sen no Rikyu, na segunda metade do século XVI.
Em cada ritual, todos os itens são selecionados cuidadosamente, desde a decoração à louça, para que o anfitrião transmita todo o seu afeto pelo convidado. Todas as cerimônias são únicas e ocorrem quase como uma meditação.
Minha experiência com a Cerimônia do Chá
A vivência do Workshop da Cerimônia do Chá foi guiada pela Anaitis Amaral, Professora de Cerimônia de Chá estilo Bon Temae e Sommeliére de Chá, e, Simone Saito, Sommeliére de Chá, que aconteceu no Tea and M, uma Casa de Chá e Meditação, localizada na Vila Nova Conceição, em São Paulo.
Juntamente com os demais participantes, fui recebida de uma forma muito delicada e acalentadora pela casa, com um delicioso chá preto com manga gelado, que me fez começar a desacelerar e a entrar na vibração daquelas horas que estariam por vir.
O bon temae significa a Cerimônia do Chá acessível, com a qual qualquer pessoa pode participar com prazer, em qualquer ocasião e lugar. Dá-se o nome de Temae ao processo de preparo do chá. Bon significa bandeja, portanto bon temae é o preparo do chá sobre uma bandeja. Dentre os inúmeros processos de preparo, este é o mais acessível e simples, mas com profundidade de conteúdo, e precisamente por esse motivo, utilizamos também como uma terapia. É um temae que podemos praticar no dia a dia por usar poucos utensílios, trazendo a beleza da arte para a vida cotidiana.
Etapas da Cerimônia do Chá:
Apreciação:
A cerimônia tem desempenhado um papel importante na vida artística do povo japonês, pois ela envolve a apreciação do cômodo onde é realizada, o jardim próximo ao local, os utensílios utilizados para servir o chá, a decoração do ambiente ou um "chabana" (arranjo floral para a cerimônia do chá).
Na cerimônia em que participei, a arte escolhida para ser apreciada foi uma réplica de um biombo das "Ameixeiras brancas e vermelhas", realizada por um pintor super famoso do século XVIII, chamado Ogata Korin. O biombo original se encontra atualmente em exposição no Museu de Belas Artes da cidade de Atami, no Japão. Lá, ele foi reconhecido como Tesouro Nacional.
A época mais fria do ano no Japão, ocorre em fevereiro, quando cai muita neve. É exatamente nesse período que as ameixeiras abrem os seus botões e flores. E, como estávamos na época de floração das ameixeiras no Japão, a Prof. Anaitis teve a ideia de fazer uma homenagem, trazendo a réplica desse biombo. Ela também usou um vaso de cerâmica com o formato do Monte Fuji com umas folhagens, pois normalmente na cerimônia do chá, faz-se uma apresentação para recepcionar os convidados, com uma arte, que pode ser uma pintura, uma caligrafia, além de uma flor ornamentando a sala do chá, compondo assim, o ambiente. Essa flor chama-se chabana (com uma ou duas flores, podendo ser também uma flor e uma folhagem).
Ao chegarem, os convidados vão até o local para fazer uma reverência e apreciar. Na sequência, eles se sentam em seus lugares para esperar pelo início da cerimônia e tomar o chá.
Refeição
Logo após a contemplação, os convidados, reúnem-se para uma refeição ligeira e leve denominada "kaiseki", que é servida após a anfitriã e os convidados trocarem cumprimentos, sendo esta finalizada com doces.
No momento da refeição, degustamos um saboroso Bentô, realizado pelo Chef Guilherme Kiyoshi, fundador do restaurante Kanto. Tudo muito bem organizado, lindo aos olhos e delicioso ao paladar.
O Bentô era composto por:
Onigiri com umeboshi, lapsang e alga nori;
Rolinhos de BOK CHOY marinados no molho tentsuyu;
Pepino levemente apimentado com dashis (caldo rico em umami utilizado na culinária japonesa);
Kimpirá (bardana) com gergelim branco;
Harussame (macarrão de feijão);
Frangos empanados fritos;
Abóbora cabotiá cozida estilo japonês.
Na sequência, tivemos um momento de conversa com explicação sobre a história da cerimônia do chá, seu significado e seus benefícios como prática. Além de entendermos melhor como seriam as etapas da degustação do doce e do matcha.
O doce que comemos foi o wagashi de feijão, que é servido enquanto o matcha é manipulado, para preparar o paladar. Pela cerimônia ter sido realizada ainda no verão, eles foram de cores bem fortes, alegres, coloridos, em formato de flor.
“Goza-iri”
É a etapa principal da cerimônia, na qual é servido o chá.
A bandeja redonda representa o espaço cósmico, o Universo. Nesse interior, o Homem e todas as demais criaturas, criam-se e transformam-se, o que é representado pelos utensílios.
Os principais utensílios utilizados são a "chawan" (tigela de chá), o “natsume” (recipiente do chá), a “cha-sen” (batedor de chá feita de bambu de 100 cerdas) e o “chashaku” (colher de bambu). Esses utensílios são considerados pelos japoneses como valiosos objetos de arte.
Estes, como se tivessem vida, movimentam-se de forma ordenada no sentido horário, para o preparo do chá. Cumprido este fim, retornam aos seus lugares. Este processo repete-se a cada preparo do chá, significando a transformação da natureza na mudança das estações ou no curso da vida humana.
Além do significado universal, a bandeja e os utensílios podem ainda significar o próprio lar, representando a cultura, os costumes, a vida familiar, girando em torno da mesma ordem e harmonia. Seria por assim dizer, a representação do macro e do micro.
O "Ritual de purificação" acontece previamente ao momento de servir o matcha.
A anfitriã Anaitis purificou o recipiente de chá e a colher com um pano especial denominado “fukusa”, fazendo o mesmo com o batedor na tigela de chá contendo água quente tirada da chaleira. Em seguida, esvaziou a tigela, despejando a água no receptáculo de água servida, purificando a tigela com um “chakin” ou pedaço de tecido de linho. A Simone colocou “matcha” (duas colheres para cada convidado) na tigela e a quantidade de água quente da chaleira, equivalente a três goles aproximadamente. A seguir, ela bateu a mistura com o batedor de bambu até ela se transformar em algo que lembrasse uma grossa sopa de ervilha verde tanto na consistência, como na cor.
Cada um dos convidados recebeu uma tigela com matcha, que deveria ser contemplada por sua obra de arte, depois de beber o chá. Na parte debaixo da tigela, pode ser colocada a "assinatura" do ateliê ou o carimbo de identificação do artesão. Para que esses detalhes sejam observados, é necessário que o chawan esteja vazio ou seja apreciado após os três goles. Então, um primeiro convidado realizou a reverência com a cabeça para o próximo convidado que deveria tomar o chá e assim, sucessivamente, seguindo na sequência de um para o outro, até o último convidado terminar.
Tivemos então um momento para contemplar alguns utensílios utilizados durante a cerimônia.
Depois que a anfitriã retirou os utensílios do local da cerimônia, ela fez uma reverência silenciosa com a cabeça para os convidados, dando a entender que a cerimônia havia terminado. Os convidados então, se despediram respeitosamente do anfitrião.
Benefícios
Participando repetidas vezes, em forma de terapia, o indivíduo verá transformação de seus pensamentos, palavras e atitudes, considerando o próximo com amor e respeito, valorizando a família, as oportunidades, e uma felicidade indizível invade o seu ser.
Como a mente, o corpo espiritual e o corpo físico estão intimamente relacionados, este estado reflete-se no corpo físico, proporcionando uma vida mais saudável. E, então, a terapia do chá começa a fazer efeito nos problemas psicossomáticos, como depressão, ansiedade, insônia, irritabilidade, e no stress da vida moderna. Desta forma, a terapia age tanto nos problemas já existentes, como também na prevenção.
Esse modelo sempre se reflete no seu ambiente, na família, e se mantivermos essa conduta serena, de respeito e harmonia advinda da terapia do chá, certamente isso se refletirá, criando e expandindo assim, um mundo constituído de gente dotada de beleza individual.
Para mim, como uma apreciadora de chás, ter essa oportunidade de conseguir ter acesso de uma forma leve, didática e extremamente prazerosa, fez com que eu conseguisse entender cada etapa do processo e vivenciá-las de forma integral, de corpo e alma. Ao final da experiência, senti uma mudança de energia, uma sensação de leveza, bem-estar e muita conexão, quase uma meditação.
Por,
Gisele Barros.
Editora Chefe do Portal ALL SENSEZ
Especialista em Perfumaria
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